sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Memórias


Quero falar-te deste amor, como de um vento amordaçado na camisa; uma febre de verão que o mercúrio não acha; um telhado esmagado pela ideia da chuva. Quero dizer-te que sobre ele pairaram sempre brumas e nevoeiros e profecias de temporais maiores, como os que levam para longe os corpos dos navios. Não há notícias deste amor; apenas uma intriga, um recado sonâmbulo, um temor que desmaia as pregas do vestido e um sortilégio urdido nas paisagens suspensas de um mapa que aperto na mão sem desdobrar.
E há memórias deste amor?
A voz sem as palavras, um livro lido às escuras, um bilhete cifrado deixado num hotel, um velho calendário cheio de desencontros?
Não, não há memória deste amor.


Maria do Rosário Pedreira